Por que nossos filhos não conseguem desfrutar do ócio? (“Mãe, o que tem para fazer?”)

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Sei que as coisas evoluíram bruscamente e não podemos acreditar que nosso cenário permaneceria o mesmo, que nossas crianças possam ter o mesmo comportamento das crianças do nosso passado, mas não é um pouco assustador constatar que as crianças hoje em dia não conseguem jamais ficar sem fazer nada?

Não sei se acontece parecido na casa de vocês, mas por aqui, um dia sem eletrônicos ou sem internet é considerado um dia de sofrimento, dos maiores do universo, para meus filhos de 9 e 10 anos. E quando não há nenhuma atividade ou brincadeira programada, a chance deles recorrerem diretamente aos games durante o tempo livre vem se tornando cada vez maior. Quando não podem jogar (às vezes nós tiramos temporariamente o acesso devido a falhas nos estudos/tarefas), a pergunta é sempre recorrente: “mãe, o que tem pra fazer? Não tem nada para fazer…”

Na verdade, há sim muita coisa para fazer, um armário com brinquedos e jogos de tabuleiro, e vocês sabem que para balancear esse interesse excessivo nos games, sempre que posso, tento incentivá-los a criar brincadeiras e atividades, fazemos passeios ao ar livre, passeios culturais, etc… Mas paralelo a isto, que mal há em ficar um tempo sem fazer absolutamente nada?

Começo então a lembrar-me da minha infância, quando passava horas contemplando meus papéis de carta, deitada ouvindo música no rádio e escrevendo no meu diário, ou simplesmente olhando as pessoas passarem na rua… No restaurante eu não era assim tão comportada, e o ócio me instigava a fazer aquela arriscada brincadeira de se impulsionar com os pés e balançar a cadeira, o que algumas vezes me levava ao chão, deixando meus pais bem envergonhados. Hoje em dia isso não acontece, pois temos tablets para entretê-los, não é mesmo?
Lembro-me também das viagens de carro, entre os intervalos de 5 minutos quando perguntava “Tá chegando?”, eu gostava de imaginar animais e objetos nas nuvens. Será que hoje em dia nossos filhos conseguem fazer isto com a facilidade que fazíamos?

“Ah, mas se existissem tablets e computadores quando você tinha 10 anos, você certamente teria passado mais tempo neles do que fazendo todas essas coisas que acabou de descrever!” Provavelmente sim, mas ainda persisto em questionar, por que nossas crianças (as maiores de 7/9) não conseguem por conta própria, buscar o entretenimento nas coisas simples? Ou simplesmente não se contentam com o “nada de especial para fazer”?

Certamente a resposta está no excesso de estímulos que as rodeiam, bem representada pela fala de um personagem do livro infantil “Nada de Presente” de Patrick McDonell:

“Em um mundo com tantas coisas, onde eu vou encontrar o nada?”

Segundo a pesquisadora britânica, Teresa Bolton, a expectativa cultural de que as crianças estejam sempre ativas pode minar o desenvolvimento de sua imaginação, precisam ter um tempo para parar e pensar, imaginando que eles possuem seus próprios processos de pensamento e assimilação, por meio de experiências com brincadeiras ou apenas observando o mundo ao seu redor.
Diversas pesquisas demonstram que o ócio favorece a criatividade e outras habilidades importantes, e que a partir disso a imaginação os ajudar a enfrentar futuros desafios.

Ando pensando seriamente em estabelecer por aqui a hora do ócio, que servirá tanto para eles quanto pra mim (também ando precisando e entendo bem que o comportamento das nossas crianças é reflexo dos nossos). Onde não usaríamos nada de eletrônicos, nem faríamos atividades ou brincadeira programadas, desfrutaríamos exclusivamente do Dolce far niente. Quem quiser pode meditar, quem quiser pode empillhar peças de dominó para depois derrubá-las, quem quiser também pode ficar olhando pro nada rs e…vocês podem estar me achando meio maluca, não??? Evidente que eles aqui em casa vão achar, mas quero muito testar esta ação e observar os efeitos. Penso que dentro de um dia bem programado pode entrar tudo sim, escola, tarefas, brincadeiras, eletrônicos e por que não, o “fazer nada”? Um momento onde imaginação e o pensamento livre seriam os únicos protagonistas.

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