Filho, você é um privilegiado! Você já disse isso?

Temos que reconhecer, nossos filhos vivem numa bolha (assim como nós vivemos, não é mesmo?)! Sobretudo se notarmos o círculo de convivência das crianças que estudam em escolas particulares, como no caso dos meus filhos. Não somos ricos, e eles não estudam em nenhuma escola elitizada, de mensalidades exorbitantes para o orçamento de uma família de classe média, mas percebo que, embora haja pequenas diferenças de rendas, o cenário é extremamente ineficiente para fazê-los entender realmente que há uma grande diferença social que existe não muito distante de nós. Eles aprendem sobre problemas sociais da sociedade nas aulas da escola, escutam histórias, notícias, assistem filmes, imaginam, mas será que eles realmente têm noção de como isso realmente existe por fora dos muros dos nossos condomínios ou bairros parcialmente seguros?

 Quando eu era criança, conseguia ter uma ideia melhor sobre o assunto, pois estudava em escola pública, onde me sentia mal por às vezes ter um dinheirinho para comprar um lanche na cantina, enquanto havia colegas nunca negavam a sopa não muito apetitosa da merenda, qual muitas vezes era a única refeição do dia.

Vejam apenas alguns dados do ano passado do relatório Cenário da Infância e Adolescência no Brasil, divulgado pela Fundação Abrinq, que seria interessante compartilhar com nossos filhos:

Cerca de 17 milhões de crianças até 14 anos – o que equivale a 40,2% da população brasileira nessa faixa etária – vivem em domicílios de baixa renda, sendo o Norte e no Nordeste as regiões que apresentam as piores situações.

Mais de 3,3 milhões de crianças e adolescentes (entre 5 e 17 anos) estão em situação de trabalho infantil no Brasil.

Não se trata exclusivamente de jogar na cara deles a vida confortável que levam num momento de revolta, onde nossos filhos negam a comida que oferecemos dizendo que não gostam. Embora saiba que às vezes é meio inevitável,  e inclusive eu também digo aquela frase diante de um episódio como o que citei acima: “Tem gente que não tem o que comer e vocês recusando…”  Mas objetivamente, devemos explicar com clareza que, apesar deles conviverem com algumas crianças que podem ter mais brinquedos, jogos, viagens e experiências do que eles (coisas que muitas vezes nós até poderíamos dar, mas optamos ensiná-los a noção de prioridades no orçamento da família e que não podem ter tudo que desejam), este não é o extremo que eles precisam enxergar para tecer comparações. Que ainda existem casos crianças que enfrentam diariamente maus tratos, são exploradas com trabalho infantil, não têm comida, roupas, moradia adequada, família estruturada, acesso a boa educação, e nem cuidados e amor de pai e mãe. E que sim, eles devem ser agradecidos por conseguirem ter tudo que precisam para uma vida saudável e tranquila. E que por outro, lado é claro, haverá momentos na vida que desejaremos agradá-los e presenteá-los com coisas e experiências que eles gostam, na hora certa, porque são nossos filhos e os amamos.

Por que é tão importante que nossos filhos perceberem que, embora não tenham tudo o que desejam, eles vivem sim num mundo privilegiado?

  • Para que compreendam não muito longe de onde moram ainda existem famílias que passam dificuldades reais de moradia, alimentação, etc… Pessoas que não possuem as mesmas oportunidades de educação, cultura, saúde, acessam a informação e tecnologia que eles têm, além de uma casa confortável e os cuidados de uma mãe e de um pai.
  • Para que isso lhes desperte a empatia e a solidariedade pelo outro.
  • Para que sejam agradecidos pela família e pelas oportunidades que já conseguiram desde que nasceram num cenário onde boa parte das pessoas tem menos.
  • Para que entendam o valor real das coisas, aprendam a evitar desperdícios e direcionem a vida para o consumo consciente.

Como fazer para que eles enxerguem um pouco o mundo fora da bolha?

  • Converse, explique, mostre dados e pesquisas, filmes, documentários, etc…
  • Estimule-os a frequentar grupos de atividades/lazer onde possam conviver com crianças de universos diferentes dos deles.
  • Conheçam instituições sociais, se possível ajudem e incentive seus filhos a também ajudarem e participarem das ações, destacando como isso é importante para a sociedade.

A formação moral da criança como ser humano também é algo que precisamos nos preocupar hoje em dia, onde estamos cada vez mais inseridos nos nossos mundinhos fechados. Nós pais somos responsáveis por essa consciência se esperamos um futuro mais humano, mais justo e com mais oportunidades iguais para todos.

4 comentários em “Filho, você é um privilegiado! Você já disse isso?

  1. Ajuda a pensar sobre nossos filhos e seus privilégios, mas acho que só isso não basta. Se apenas “mostrarmos” a eles as crianças que têm menos e os levarmos a “ajudar” quem tem menos, ainda estaremos colocando-os em posição superior. O ideal é que eles tenham contato com crianças e adultos de diferentes classes sociais em situações informais, o mais naturalmente possível: brincando e interagindo em iguais condições. Só assim, desenvolverão verdadeira empatia.

  2. Tive uma conversa com os meus 3 recentemente sobre isso. Que mesmo eles estudando em escolas publicas, tem o privilégio de conseguirmos escolher boas escolas (mesmo que por alguns anos eles tiveram que passar pela rotina de pegar lotação e trem lotado para isso), de terem acesso a atividades esportivas e culturais que mesmo sendo gratuitas, poucos tem acesso e que era importante eles entenderem os pequenos privilégios que possuem.

    Procuramos conversar sobre isso sempre, e espero que assim eu esteja plantando uma sementinha, para que quando eles estejam maiores, não se esqueçam que é preciso olhar o mundo além do horizonte de nossos próprios privilégios

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